O discurso que fiz naquela quinta feira

estive em palavras menores, tão pequenas que cabiam no bolso e nesse bolso haviam outras palavras de outras pessoas. gente de todo tamanho, cor e forma, gente que no fim nem era gente. estivemos todos no bolso, um bolso só, imagina?
Hoje? Hoje não caberia nem meia dúzia. Já fui papel uma vez, mas foi uma só e esqueci como é ser feita de papel, me esqueci também como o papel é frágil, como é fácil amassar, como a tinta da caneta às vezes mancha, e, se escrevo à lápis, como o grafite desgasta com o tempo, esqueci-me que a borracha pode apagar cada letra que escrevi e que, de tudo o que fiz, nada restaria se assim o fizessem.
espera, isso aqui tá certo? é assim mesmo que era pra ser? parece que há um vácuo que me suga pra outro mundo e nesse meio tempo eu perco meu sentido... coerência o nome, verdade! agradeço você aí no canto que me soprou.
Eu era palavra, já fui uma vez um poema num bloco de notas. Era juventude, sinto o peso da idade e com esse vento gelado desse inverno que vem aí, minhas juntas rangem e estralam, eu me levanto pondo a mão nas costas e dizendo “aiii” como nossas avós fazem.
É engraçado, dizia eu quando criança “Não vou deixar que me atinja, não quero um dia deixar de olhar o cantinho do muro que tem uma quina e onde geralmente sempre há uma formiga ”, dizia sim, sussurrava pro tempo que ele não era páreo.
Ontem eu acordei com um olho roxo e penso que foi a surra da Realidade que levei na noite anterior, ainda dói se eu apertar, mas pra que vou apertar?
Eu era palavra sim, já fui um texto todinho, mas agora não sou mais não, agora eu sou só... eu sou só... eu sou... Não sou nada não, deixa isso de lado. Do que eu estava falando? Verdade, contava a vocês que um dia eu fui feita de palavras, às vezes eram muitas, às vezes meia dúzia bastava.
Diziam que eu falava bonito e encantava, mas agora eu mal sei dizer aquilo que preciso! Desculpem a ladainha, mas é que quando a gente envelhece fica assim ranzinza, meio velha chata, mas aí a gente conta uma história dos tempos antigos e fica ali toda nostálgica. Acho que nostalgia é uma sensação laranja.
Eu ia falando que... ia dizendo a vocês... espera! o quê mesmo? Ah lembrei, ia dizendo que um dia escorreram de mim tantas palavras, que acho que não sobrou nada pro agora.
Mas aí você se pergunta, onde ela quer chegar? Ainda nem comecei o assunto de fato, eu sei, um pouco mais de paciência e eu chego lá! Quando pequena a gente pensa que nunca vai crescer, e quando cresce um pouco parece que não vai ter futuro, é sempre assim, quando é agora o amanhã não existe.
Mas, e quando todo amanhã que tinha que ser já foi? Então aí a primavera dos dias finda e você se vê enjaulada nas possibilidades que se abrem, daí você perde, perde a vontade de tudo.
E perdendo essa vontade de escorrer as letras de mim é como começo esse assunto, desculpe se enrolei até aqui. Não sei ao certo o que pretendo partindo daqui, mas já que que comecei, terei de terminar. Ou não, talvez acabe por aqui mesmo.

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